Período de Falência do Banco do Brasil é investigado pelo MPF

A falência do Banco do Brasil chocou milhares de brasileiros, mas para entender melhor, é essencial “mergulhar” nos primeiros 45 anos da história da instituição, que compreendem três momentos de fundação e refundação. Essa jornada está ligada a um dos períodos mais sombrios da história do Brasil, o tráfico de escravizados africanos. Foi uma época marcada por pressões internacionais pela proibição do comércio de escravos, em especial por parte da Inglaterra, mas que, testemunhou o desembarque de milhões de africanos traficados em terras brasileiras.

O Banco do Brasil foi fundado em 1808, quando as pressões inglesas para abolir a escravidão já eram evidentes. Em 1810, Portugal assinou um tratado com a Grã-Bretanha que incluía exigências para coibir o tráfico de escravizados. No entanto, a primeira medida concreta só surgiu em 1815, durante o Congresso de Viena, quando foi proibido o tráfico ao norte da linha do equador.

Essa decisão vetou o comércio proveniente da Costa da Mina, um dos principais portos utilizados no tráfico de escravos. Contudo, essa proibição foi vista como uma “lei para inglês ver”, já que o tráfico continuou de maneira clandestina.

A independência do Brasil, em 1822, trouxe a proibição do tráfico de escravos para o centro das discussões, particularmente depois que a Grã-Bretanha condicionou o reconhecimento oficial do Estado brasileiro a essa proibição. Assim, em 1831, o Brasil aprovou a lei que proibia o tráfico.

Tentativa de Refundação

O Banco do Brasil enfrentou sua própria crise financeira em 1829 e uma tentativa de refundação em 1833. Essa tentativa de refundação estava ligada à relação comercial com o tráfico de escravizados, e uma das fontes de recursos planejadas envolvia os impostos incidentes sobre as pessoas que mantinham a propriedade de escravos.

A refundação definitiva do Banco do Brasil só ocorreu duas décadas depois, após a aprovação da Lei Eusébio de Queirós em 1851, que aboliu a escravidão pela segunda vez. Entre essas duas abolições, quase 790 mil escravizados desembarcaram no Brasil, sem contar os quase 200 mil que morreram durante a travessia da África para o Brasil.

Segundo Clemente Penna, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destaca que o sistema financeiro da época “dependia da escravidão”, portando, ainda faltam algumas pesquisas para concordar o papel de cada instituição. A pesquisa de Penna, que analisou 3 mil execuções de dívidas no Rio de Janeiro entre 1830 e 1860, indica que escravizados eram utilizados como garantia do pagamento de empréstimos.

Na época, a Justiça determinava que escravizados pertencentes a devedores, fossem mandados como garantia a um depósito no antigo Cais do Valongo, na Zona Portuária do Rio, onde eram “armazenados” até que a conta fosse paga. Caso isso não acontecesse, o cativo era leiloado e o valor era usado para quitar a dívida. Para o historiador, 65% das execuções de dívidas no período tiveram ao menos um escravizado levado a esse depósito.

Para Penna, todas as operações financeiras da época tinham ligação com a escravidão. “Quem fazia dinheiro no século 19 estava ligado com a escravidão, porque ela estava em toda a sociedade, em toda esquina. Todo o sistema financeiro dependia dela”, explica.

O Banco do Brasil também concedeu empréstimos a fazendeiros proprietários de escravizados.

De acordo com a tese de doutorado de Thiago Campos Pessoa, da UDD, o banco emprestou 800 contos de réis para José e Joaquim de Souza Breves, conhecidos como Irmãos Breves, em 1871. Além de acionista e com membros na diretoria do Banco do Brasil, a família Breves era conhecida como uma das maiores proprietárias de escravizados do país, com cerca de 5 mil pessoas espalhadas em sua fazenda no Rio e em São Paulo.

“O que acontecia era que o banco financiava a escravidão e a escravidão financiava o banco. O dinheiro que entrava e o que saia faziam parte desse sistema”, explica Pessoa.